Crônica: O avesso da pele até o avesso

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Por: Sérgio Sant’Anna*

Conheci o professor Jeferson Tenório há alguns anos quando ele participou de uma aula em um cursinho pré-vestibular que eu ministrava aulas de Redação e foi levado por um professor amigo meu, Marcelinho de Literatura. A profundidade do seu conhecimento encantou professores e alunos e a Literatura, assim como a Língua Portuguesa foram entregues à verdade diante de tanta sabedoria.

Quando foi lançada a obra “O avesso da pele”, comentávamos sobre o autor, porém mais do que as básicas análises engajávamos diante da profícua obra literária brasileira, uma apoteose literária que desfilava pelas rodas de analistas literários com o desejo de quero mais, pois o País voltara a conhecer um grande romance daqueles que a identidade e as relações raciais eram contundentes. Sim, poderá dizer o leitor, no ano anterior o escritor e professor de Geografia Itamar Vieira Júnior nos alimentou com “Torto Arado”, romance belíssimo, que este ano é leitura obrigatória aqui na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Mas, retornando à obra principal, neste momento, gostaria de construir esta crônica relatando que “O avesso da pele” foi a obra ganhadora do Oscar Nacional, Prêmio Jabuti”, de 2020, mesmo ano em Jeferson Tenório tornar-se-ia Patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, e mais, esta obra passou a  fazer parte do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) e foi incluído na lista de obras literários para o ensino médio em 2022 — durante o governo Bolsonaro, uma vez que aqueles governos que estão retirando a obra de circulação são todos membros do clã do antigo capitão. Primeiro em Curitiba e depois em Goiás. Não citarei aqui a diretora de uma escola no interior do Rio Grande do Sul que começou com toda essa polêmica ao proibir “O avesso da pele” em sua unidade escolar, pois seus argumentos são pífios, inúteis, proporcionais àqueles que não leram a obra como os governadores e secretários de Educação dos estados elencados. “O avesso da pele” é leitura obrigatória no vestibular do ITA (Instituto da Aeronáutica), o mais disputado do Brasil, além disso, depois desta polêmica, a obra poderá ser leitura obrigatória da UFRGS (Universidade do Rio Grande do Sul).

Além disso, com todo esse espetáculo, proporcionado pelos não-leitores, a obra vendeu mais de 400%, porém, o escritor Tenório luta para que as obras sejam leituras regulares nas escolas, lugares em que o atual escritor fez história e luta até hoje para que os professores e profissionais da Educação sejam valorizados. Assim como Jorge Amado, cujas obras em  novembro de 1937, foram queimados em praça pública quase mil exemplares do recém lançado “Capitães da Areia”. O livro que retratava a vida de meninos pobres de Salvador era considerado “propaganda do credo vermelho” pelas autoridades do Estado Novo. E na verdade, um dos primeiros livros nacionais a retratar o denominado “bulliyng”, a situação dos meninos que viviam reféns das ruas. Além deste, todas as outras obras, assim como os seus escritores, haja vista Raquel de Queiroz e “O quinze” foram vítimas da prisão e do processo de “cancelamento” imposto pelo Governo da época. A censura imperava e parece que ainda sobressai.

Não é possível que em uma sociedade letrada ainda tenhamos que conviver com esse preconceito enraizado, capaz de destruir as frutíferas relações deixadas por uma obra que proporciona a reflexão, para angariarmos os desvios, os desmandos, a miséria intelectual, principalmente de um povo que clama por mais cultura.

Cabe a você, professor, escritor, defender a difusão da cultura, lutar pela expansão do conhecimento pela análise literária, pelos estudos da Literatura, além da difusão da leitura. Assim, como o Jeferson, nenhum escritor merece ter suas obras recolhidas e censuradas por aqueles que se intitulam donos do Poder. A vanguarda nos espera, porém parece que ainda estamos fadados à retaguarda. Vocês estão a espera da próxima leitura? Eu sou “O avesso da pele” até o avesso.

*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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